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Um neurocientista comprova, com base numa pesquisa, o que a filosofia já sabia: o ócio estimula o cérebro a ser mais criativo e inovador

Elisa Tozzi 

Leia esta matéria na integra no site da exame.abril.com.br/revista-voce-sa

São Paulo – Para ter uma vida mais equilibrada e feliz, é necessário diminuir a carga de trabalho e incluir momentos de ócio na rotina. A teoria de Domenico De Masi, sociólogo e autor de O Ócio Criativo (Editora Sextante), já está bem disseminada desde 1995, ano de lançamento de seu ensaio mais famoso.
Agora parece haver a comprovação científica para a tese do italiano com o livro Auto-pilot: the Art and Science of Doing Nothing (“Piloto automático: a arte e a ciência de não fazer nada”, numa tradução livre e sem edição no Brasil), de Andrew Smart, neurocientista e pesquisador da Universidade de Nova York.

A partir de estudos neurológicos, o autor mostra que fazer longas pausas é crucial para que o cérebro estabeleça conexões que podem levar ao autoconhecimento e à criatividade. Nesta entrevista a VOCÊ S/A, o cientista explica por que o ócio é tão importante para a saúde dos neurônios e mostra por que a divagação deveria ser estimulada dentro das empresas.

VOCÊ S/A – Em seu livro, a imagem do piloto automático é usada para mostrar que o cérebro é mais ativo quando descansamos. Por que isso ocorre?

Andrew Smart – Estudos de neurociência deixam claro que o cérebro possui algumas regiões que têm mais atividade quando estão em repouso. Essas áreas formam um circuito chamado default mode network (rede neural em modo padrão, numa tradução livre). Simplificando, essa rede faria o papel do piloto automático do cérebro.

Descobriu-se que a energia consumida pelo cérebro muda pouco de acordo com as tarefas que executamos. Tanto faz se você está resolvendo uma equação ou descansando. A variação da energia cerebral é de 5%. isso prova que o cérebro não desliga quando descansamos, pelo contrário. Há conexões que só são possíveis no repouso, cruciais para a saúde mental.
O piloto automático se conecta a quase todas as áreas cerebrais, inclusive ao subconsciente. isso é bom, porque é possível encontrar informações que fcam ocultas. O resultado é que, ao repousar, a atividade cerebral proporciona insights inesperados e nos torna mais criativos.

VOCÊ S/A – Dormir é uma maneira de acionar o piloto automático mental?

Andrew Smart – A atividade cerebral durante o sono é um pouco diferente, e pesquisas mostram que o cérebro faz uma limpeza quando dormimos. Mas a rede neural padrão é ativada em momentos de ócio. O cérebro tem diversos níveis de atenção, e é necessário estimular essas variações fcando sem fazer nada por algum tempo todos os dias.

Quando você tem uma rotina que oscila entre os extremos mentais de sono profundo e atenção, o cérebro sofre. Se você levanta e vai direto para o trabalho e quando chega em casa estimula ainda mais sua mente ficando em frente à TV ou ao computador, prejudica os processos cognitivos.

VOCÊ S/A – Há pessoas que ficam ansiosas quando não fazem nada. Por quê?

Andrew Smart – Há uma reação cerebral nos momentos de ócio: o efeito negativo. Isso acontece porque o subconsciente pode trazer à tona informações ou pensamentos que não são prazerosos, o que causa desconforto.

Outro ponto é o sentimento de culpa que surge com o ócio. Estamos tão acostumados a nos encher de atividades que, quando paramos, temos a sensação de que estamos perdendo algo ou de que não estamos agindo como seria esperado. Também não estamos acostumados a acessar o subconsciente e achamos estranho deixar a mente vagar sem um objetivo. Esses fatores podem gerar estresse.

VOCÊ S/A – Como mudar esse estado mental de estresse e atenção constante?

Andrew Smart – Mudando o modo como trabalhamos. Concordo com alguns pensadores, como Keynes (John Maynard Keynes , economista britânico), que dizem que deveríamos reduzir a jornada de trabalho para 4 horas.

VOCÊ S/A – Isso seria possível mesmo com as empresas exigindo bons resultados e alta produtividade?
Andrew Smart – Acredito que sim. Mesmo trabalhando mais de 8 horas, só há, em média, 4 horas reais de produtividade. Isso é plausível, tendo em vista o modo como o cérebro funciona: existem ciclos naturais de atenção e desatenção. Meu ponto é que, trabalhando menos, os profissionais teriam mais tempo livre para divagar e ser mais criativos. E ter funcionários inovadores seria positivo para as empresas.

Mas, quando há tanta pressão pelo lucro, as empresas precisam forçar os funcionários a ficar obcecados pelo trabalho para que
sobrevivam no mercado.

VOCÊ S/A – Por que o ócio tem sido renegado ao longo das décadas?

Andrew Smart – Desde os gregos, há a crença de que não fazer nada é ruim. A explicação é que ter tempo livre estimula as pessoas a questionar. Além disso, minha impressão é que as pessoas não querem ser ociosas porque têm medo de conhecer a si mesmas.

VOCÊ S/A – Então o ócio é um caminho para se conhecer melhor?

Andrew Smart – Sim. Como a rede neural padrão se conecta ao subconsciente, temos fashes de pensamentos obscuros. Essas informações que aparecem só de vez em quando revelam quem somos de verdade.

VOCÊ S/A – É possível transformar a sociedade da pressa na sociedade do ócio?

Andrew Smart – É um longo caminho, mas a ciência vai ajudar a lutar contra a cultura da pressa. Cada vez mais surgirão provas de que o excesso de trabalho e de agitação é prejudicial à saúde. Pense no que ocorreu com o cigarro. Há 50 anos, todos fumavam — e não havia consciência sobre os males do tabaco. A medicina se desenvolveu e mostrou que o cigarro é mortal.

As evidências foram cruciais para que as pessoas e os governos percebessem que fumar é uma péssima ideia. Consequentemente, o número de fumantes caiu no decorrer das décadas e continua a diminuir. Minha esperança é que, um dia, o mundo entenda que trabalhar demais é tão perigoso quanto fumar.

O neurocientista Andrew Smart, autor de Auto-pilot

O neurocientista Andrew Smart, autor de Auto-pilot: provas científicas de que trabalhar demais faz mal

 

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